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Um dilema monstruoso

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  Monster (2018) é um longa-metragem que recentemente ganhou visibilidade no Brasil a partir de sua estreia em uma plataforma de streaming por assinatura. Trata-se de um drama sobre um jovem preso em uma casa de detenção do sistema judiciário norte-americano. O filme tem a direção de Anthony Mandler e traz no papel principal o ator Kelvin Harrison Jr. Aos 17 anos, Steve (Kelvin Harrison Jr.) é um estudante negro de uma escola conceituada de classe média, no Harlem, Nova York, onde, dedica-se a projetos de estudos cinematográficos, almejando seguir essa carreira. Por este prisma, inclusive, o filme traz bons efeitos de metalinguagem. Steve acaba por se envolver em uma trama protagonizada por outros jovens de seu bairro, que termina no homicídio de um comerciante local e, por isso, é acusado de participante do crime. No entanto, declara-se inocente e, ao longo de todo o filme, que em grande parte se limita a encenar a detenção e o julgamento do acusado, Steve precisa convencer a to

Riquezas do oceano

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  Vi o documentário Professor Polvo (Netflix, 2020), dos diretores Pippa Ehrlich e James Reed, com produção de Craig Foster, um cineasta de vida selvagem, que também encena o filme ganhador do Oscar de melhor documentário em 2021. Trata-se do encontro do cineasta, antes de tudo, consigo mesmo. Ele transforma-se em pesquisador das riquezas dos oceanos, em meio aos mares e às concentrações de algas do Cabo das Tormentas, na África do Sul, onde encontra um polvo. A narração começa com os seguintes dizeres: “Muita gente diz que um polvo é como um alienígena. Mas o estranho é que, ao se aproximar dele, você percebe que somos parecidos em muitos aspectos”. E o filme narra essa aproximação, que implica em abrir-se ao diferente, vivenciando os prazeres e limites dessa aproximação. Antes dessa experiência, no entanto, o pesquisador filmante encontrava-se em um tempo de crise existencial, pessoal e relacional, envolvendo sua família e também seu filho em crescimento. A partir daí, passa ce

Tito

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Tito é meu sobrinho. É autista, por isso, muito especial. Senti-me desafiada a levá-lo a um passeio matinal de domingo, no calçadão da praia. Sol forte, muita gente, movimento antecipado do verão. Como ele ainda não fala, por força da síndrome mesmo, e nem sempre podemos estar juntos, a comunicação não é muito simples. Pedi algumas instruções à secretária da casa, para minimizar um pouco o meu medo de que o passeio não acabasse bem. Ela me respondeu com a simplicidade e sabedoria dos que enxergam a vida por vias da experiência: “É só prestar atenção. Ele vai mostrar tudo quando ele querer.” A troca da conjugação do verbo no futuro do subjuntivo para o infinitivo pessoal ecoou nos meus ouvidos, não só pelo fenômeno da regularização da variação sociolinguística no uso de verbos considerados ‘irregulares’ como o querer, o que não vem absolutamente ao caso, mas por me dar a chave de um encontro com meu sobrinho. Fiz isso: deixei-me conduzir pelo Tito. E fui repetindo a máxima comigo: “Ele
Artigo crítico de Herbert Farias sobre o meu livro "Femear" http://www.tertuliacapixaba.com.br/paraler/dualidade_e_transcendencia.html?fbclid=IwAR1mC3Zj2yrwdPGUqrZ3Va1kUStwCPpKaRoaNxOSxz2ZFuBJvV64uYIIee4
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Hoje acordei sem máscaras. Posso. Estou em casa. E minhas máscaras estão contaminadas, como a de todas e todos. Máscaras sujas se lavam em casa, não é mesmo? Ando adoecida pelo meu país, como um todo, como todas e todos. Deu ruim. Erramos, todas e todos. Eu errei. Fiz escolhas equivocadas e deixei que outras e outros me impusessem as suas. Precisamos de meia volta, todas e todos, sem militarismos, volver, sim, à sanidade, à civilidade. Todas e todos. De todas as etnias, de todas as tribos, de direita, de centro, de esquerda, de cima, de baixo. Mas quem está em baixo sente mais a queda de todos. Uso as marcações de gênero no texto daqui pra frente apenas no masculino. Não porque as mulheres não errem, mas porque nossa raiz menos humana assume uma voz de homem. Cristãos e ateus, acadêmicos e não acadêmicos, teólogos e leigos, estamos com o dedo em riste, cheios de julgamentos. Quem está há mais tempo na história, quem chegou agora. Todos se acham no direito de pensar os desfechos e apont

Com a bola na mão

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Hoje sou eu quem quica a bola da vez, filho. À medida que ela bate no chão e volta às minhas mãos, refaço idas e vindas, ataques e defesas de um jogo que começou a dezenove janeiros atrás. Lembro de você enterrado em uma cesta, em rede líquida e maternal, ultrapassando em muito o ritmo das batidas do meu coração, correndo entre os caminhos do meu ventre. Quando achava que estava aqui, você já aparecia ali. E assim irrequieto, acabou dando mais passes do que devia no cordão que nos unia, quase estourou o tempo. Deu trabalho na hora de irromper quadra a fora, pra vida. Já nasceu chorando seus direitos. Mas como o mundo é redondo, do jeito que você gosta, se sentiu em casa e repousou quase quietinho na esfera da minha barriga, às quatro horas da manhã de um dia festivo. Dois pontos: coragem. Lembro de como sua agilidade e impermanência eram presentes em tudo. Ninguém conseguia bloquear suas jogadas. Colocar fralda e roupa em você era um jogo rápido. Uma mão equilibrando uma bola, e

Crônicas da criação VI e VII

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  Chegamos finalmente ao sétimo dia. Olha que dá até pra descansar um pouco. Mafalda e Naum estão realmente se entendendo, ao estilo dos gatos. Já o povo, muito religioso, vem todo dia ler as crônicas e me cobra quando vai sair a próxima. Reclamam que tinham que ser sete, pra ficar igual à Bíblia, se não dá azar. O que é uma heresia, né, gente? Uns profetizam que a história terá um final feliz. Outros perguntam como é que eu vou fazer quando eles tiverem filhotes. Olha procevê: conseguem pensar nisso. Não querem que eu descanse. Pois vou dizer uma coisa. Me contento com um final feliz ao fim do dia. Mafalda e Naum já conseguem sentir o cheiro do outro pela casa, podem se olhar e passear pelos cômodos sem a minha sombra. Até conseguem se tocar em alguma brincadeira. Não posso dizer que não há estresse. Mas quase vejo a paz. A bem da verdade, acho que sou eu a mais estressada. Porque é assim, ó: preciso deixar que eles sejam felinos e (o desejo é meu) em boa convivência. Comigo